Resumo de OS EVANGELHOS
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INTRODUÇÃO
Assim como os escritos históricos do antigo testamento, os evangelhos não fornecem todos os detalhes históricos que poderiam nos interessar. Os acontecimentos incluídos foram cuidadosamente selecionados para apresentar, clara e poderosamente, a mensagem do Evangelho.
Há muito tempo já se tem notado que os evangelhos não são apenas biografias comuns. Dois deles não mencionam nenhuma vez o nascimento de Jesus, e foi registrado somente um acontecimento da sua vida jovem (Lc 2.41-52). Diferentemente do que alguém poderia esperar de uma biografia, uma grande porção de cada evangelho é dedicada à última semana do ministério de Jesus. Claramente esses livros não foram feitos para satisfazer a nossa curiosidade, mas para proclamar a mensagem.
Quando lemos as narrativas do novo testamento, portanto, devemos fazer um esforço especial para determinar por que certos acontecimentos foram incluídos. É de grande valor saber que Deus nos deu quatro evangelhos e não apenas um. Já que muitos dos acontecimentos da vida de Jesus estão registrados em mais de um evangelho, podemos discernir a importância destes através da leitura dos mesmos em vários livros, cada um deles contendo os seus próprios pontos teológicos de ênfase.
O problema sinótico
Mesmo uma lida rápida nos quatro evangelhos nos revelam que três deles (Mateus, Marcos e Lucas) são parecidos, especialmente se comparado com João. Com poucas exceções importantes, os acontecimentos e ensinos incluídos no evangelho de João (por exemplo: capítulos 3; 9; 11; 14) não são encontrados nos primeiros três evangelhos, enquanto que estes três possuam muito material em comum e compartilham de uma perspectiva semelhante. Por essa razão, os primeiros evangelhos são chamados de “SINÓTICOS”.
Uma comparação mais detalhada, entretanto, revela uma grande variedade de diferenças tanto quantos semelhanças. Algumas vezes, o material registrado é exatamente igual, enquanto que, outras vezes, há pequenas diferenças verbais. Em alguns casos a ordem dos eventos é a mesma, mas frequentemente isto não ocorre. Do ponto de vista literário, estes fatos levantaram perguntas difíceis. Como é que os evangelhos se originaram? Teriam seus autores se utilizados dos escritos uns dos outros? Poderiam ter eles outros materiais disponíveis?
A resposta mais aceita é de que Marcos foi o primeiro evangelho e que Mateus e Lucas seguiram o seu esboço (Mc 2.1-22; Mt 9.2-17; Lc 5.18-38). Mas Mateus e Lucas têm alguns materiais importantes em comum que não são encontrados em Marcos (por exemplo: Mt 7.24-27; Lc 6.47-49). Isto é explicado através da suposição de que um segundo documento, não mais existente hoje,
teria sido usado pelos dois escritores. Esta solução é conhecida como “a teologia da dupla fonte”. Além disso, fica claro que Mateus e Lucas tiveram acesso a muitas informações singulares encontradas somente em seus evangelhos.
Esta proposição não explica todos os fatos. Teorias alternativas têm sido sugerida. Alguns argumentam pela prioridade de Mateus ao invés de Marcos; uns poucos sugerem que Lucas foi escrito primeiro. Alguns até têm argumentado que João foi o primeiro. Vários eruditos enfatizam uma tradição oral que deve ter precedido à escrita desses documentos, sugerindo sua interdependência literária. A maioria dos especialistas do novo testamento continua a aceitar a teoria da dupla fonte como uma hipótese possível, mas reconhece que muitas perguntas ainda permanecem sem respostas.
Em última análise, a direção de Deus através da inspiração era o fator controlador. Deus usou acontecimentos históricos e a pesquisa pessoal dos escritores dos evangelhos para cumprir seus propósitos (Lc 1.1-4). O trabalho dos eruditos na história e na literatura não deve então ser, de maneira alguma, rejeitado, já que muitas vezes tem trazido luz sobre o texto. Por outro lado, a nossa confiança na veracidade das Escrituras Sagradas não depende da habilidade de especialistas para resolver problemas literários, mas no poder de Deus em cumprir suas promessas (Is 55.10-11; 2 Tm 3.16-17).
MATEUS
AUTOR
Abundante testemunho histórico atribui este Evangelho a Mateus, o publicano, também chamado Levi por Marcos e Lucas. Dúvidas recentes quanto à autoria de Mateus são o produto de hipóteses levantadas para explicação do Problema Sinótico. Mas essas hipóteses não podem alterar o testemunho da igreja primitiva, cujos escritores citaram este Evangelho com mais frequência do que qualquer outro. Considerando que Mateus não era particularmente destacado entre os Doze, e não havendo uma tendência especial para se exigir autoria apostólica dos Sinóticos (isto é, Marcos e Lucas), não existe nenhuma razão a priori para se lhe conferir a autoria do Evangelho se ele realmente não tivesse escrito. Na qualidade de ex-cobrador de impostos, Mateus estava bem qualificado para produzir tal evangelho. Seu conhecimento comercial de taquigrafia capacitou-o a registrar totalmente os discursos de Jesus. Sua familiaridade com os números reflete-se na sua frequente menção de dinheiro, seu interesse em grandes quantias (Mt. 18:24; 25:15), e a sua preocupação com estatísticas em geral (1:17 por exemplo).
REDAÇÃO E DATA
A grande frequência de citações e alusões feitas a Mateus encontradas na Didaquê e nas Epístolas de Barnabé, Inácio, Justino Mártir e em outros escritos prova sua antiguidade e seu uso muito difundido. As conexões literárias deste Evangelho devem ser consideradas no que se relacionam aos outros Sinóticos, e também à luz da declaração de Papias que "Mateus escreveu as palavras no dialeto hebreu, e cada um interpretou como pôde" (Eusébio, História Eclesiástica 3.39). Muitos explicaram a declaração de Papias, dizendo que se referia a uma forma original do aramaico do qual se traduziu o nosso Evangelho Grego. Mas o nosso texto grego não tem as marcas de uma tradução, e a ausência de qualquer traço de um original aramaico lança pesadas dúvidas sobre tal hipótese. Goodspeed argumenta detalhadamente que seria contrário à prática grega dar a uma tradução grega o nome do autor do original aramaico, pois os gregos apenas se preocupavam com aquele que passava a obra para o grego. Como exemplos ele cita o Evangelho de Marcos (ele não foi chamado de Evangelho de Pedro) e o Velho Testamento Grego, que foi denominado Septuaginta (Os Setenta) segundo seus tradutores, não segundo seus autores hebreus (E. J. Goodspeed, Matthew. Apostle and Evangelist, pág. 105, 106). Assim, entende-se, segundo Papias, que Mateus registrou (taquigraficamente?) os discursos de Jesus em aramaico, e mais tarde recorreu às anotações quando redigiu seu Evangelho Grego. Ainda que seja certamente possível que Marcos fosse escrito primeiro, e que estivesse à disposição de Mateus, não houve nenhum uso servil desse Evangelho mais curto por parte de Mateus, e muitos têm argumentado pela completa independência desses dois livros. A data do Evangelho de Mateus deve ser anterior a 70 A.D., pois não encontramos nele nenhuma indicação de que Jerusalém estivesse em ruínas (sendo claramente proféticas todas as predições de sua destruição). Passagens tais como 27:8 ("até ao dia de hoje") e 28:15 (idem) exigem um intervalo de certa duração, mas quinze ou vinte anos após a Ressurreição seriam suficientes.
ÊNFASE ESPECIAL
O estudo do seu conteúdo corrobora o testemunho de Irineu e Orígenes que declaram que Mateus foi escrito para os convertidos do judaísmo. Ele usa o Velho Testamento com mais frequência do que os outros (Harmony of the Gospels de Robertson faz uma lista de 93 citações em Mateus, 49 em Marcos, 80 em Lucas e 33 em João). Muita atenção foi dispensada para demonstrar que Jesus preencheu a profecia messiânica e foi, portanto, o Messias de Israel, que estabeleceria o reino prometido. Este Evangelho se distingue pelos discursos que Mateus registrou em toda a sua extensão, enfatizando os princípios, o alcance e os movimentos do reino messiânico (Mt. 5-7; 13; 24-25). Assim, os
cristãos judeus (que eram aos milhares na igreja primitiva; Atos 2:41, 47; 4:4; 5:14, 28; 6:1,7) receberam uma explicação autorizada de que a fé em Jesus não envolvia o repúdio do Velho Testamento, mas era o próprio alvo para o qual a revelação do Velho Testamento apontava. É claro que as mesmas perguntas eram feitas pelos judeus convertidos na proporção de sua compreensão do Velho Testamento. E portanto o Evangelho de Mateus ocupa um lugar de destaque dentro do pensamento cristão que chega a justificar a sua posição de primeiro Evangelho em nosso Novo Testamento.
MARCOS
AUTOR
Embora o Evangelho de Marcos não cite o nome do seu autor, temos evidências suficientes para identificarmos o mesmo. Todos os testemunhos disponíveis dos Pais da Igreja primitiva citam Marcos, o ajudante de Pedro, como sendo o escritor do livro. A tradição relacionada com a autoria de Marcos retrocede até Papias no fim do primeiro século ou logo no começo do segundo, e foi confirmada pelos escritos de homens tais como Irineu, Clemente de Alexandria, Orígenes e Jerônimo, como também no Prólogo Anti-Marcionita do segundo século. Que Marcos, o companheiro de Pedro, era o João Marcos de Atos 12:12, 25 e 15:37-39, não está especificamente declarado, mas essa tem sido a opinião geral entre os críticos com exceção dos mais radicais. Essa identificação foi feita por Vincent Taylor (The Gospel According to Mark, pág. 26), Harvie Branscomb (The Gospel of Mark, pág. xxxviii) e H. B. Swete (The Gospel According to Mark, pág, xix). As evidências no próprio Evangelho estão de acordo com o testemunho histórico da igreja primitiva. É óbvio que o autor conhecia bem a Palestina, e Jerusalém em particular. Ele faz referências geográficas que estão corretas nos mínimos detalhes (11:1), revelando assim o seu conhecimento pessoal da área. Ele conhece o aramaico, a língua da Palestina, como indica o uso que faz dela (5:41; 7:34) como também pela evidência da influência do aramaico no seu grego. Que estava familiarizado com as instituições e costumes judeus vê-se na familiaridade com a qual ele se refere a esses assuntos (1:21; 2:14, 16; 7:2-4). Todas essas características apontam um judeu da Palestina como autor; e de acordo com Atos 12:12, João Marcos encaixa-se nessa descrição, uma vez que morava em Jerusalém. Além do mais, temos indicações no Novo Testamento que Marcos e o apóstolo Pedro mantinham um relacionamento íntimo um com o outro. Tem-se observado que há uma semelhança notável entre o esboço geral do Evangelho de Marcos e o sermão de Pedro em Cesaréia (Atos 10:34-43), o que aponta para Pedro como a fonte principal do material que Marcos usou. A isto pode-se acrescentar a referência de Pedro feita a Marcos, chamando-o de seu filho (I Pe. 5:13). Sobre tais bases, portanto, de evidências externas e internas, podese afirmar confiantemente que João Marcos, o filho de Maria, e o
ajudante de Paulo e Pedro, foi o autor do segundo Evangelho. Ouvimos pela primeira vez sobre Marcos em Atos 12:12, onde se fala de uma reunião de oração na casa de sua mãe. Jovem ainda, viajou com Paulo e Barnabé até Perge em sua primeira viagem missionária (Atos 13:5, 13). Tendo ele retornado para casa em lugar de continuar com o grupo, Paulo recusou-se a levá-lo na sua segunda viagem (Atos 15:36-41). Então Marcos acompanhou seu primo Barnabé (Cl. 4:10) à ilha de Chipre. Bem mais tarde, ele aparece com Paulo durante a sua primeira prisão em Roma (Cl. 4:10; Fm. 23, 24). Esteve com Pedro na Babilônia (I Pe. 5:13) e Paulo, durante a sua segunda prisão, pediu a Timóteo que trouxesse Marcos a Roma porque tinha provado ser útil ao trabalho (II Tm. 4:11).
DATA E LOCAL
Não há nenhuma declaração explícita no Evangelho, nem no restante do Novo Testamento, da qual possamos constatar uma data específica para a origem do livro. Ultimamente a maioria dos mestres colocam-na entre 50 e 80 A.D., com preponderância de opiniões favorecendo 65-70 A. D. Nossa melhor base para a data é a informação que temos dos Pais da Igreja. Irineu diz: "Mateus também produziu um Evangelho escrito em hebreu em seu próprio dialeto, enquanto Pedro e Paulo estavam pregando em Roma e estabelecendo os fundamentos da igreja. Depois de sua partida, Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, também escreveu para nós, anotando o que foi pregado por Pedro" (Irineu Contra as Heresias III 1.1). A palavra exodon, aqui traduzida para "partida", foi usada em Lc. 9:31, onde foi traduzida para "morte", referindo-se à morte de nosso Senhor. O apóstolo Pedro também usa a palavra aludindo à sua própria morte iminente (veja II Pe. 1:15). Que Irineu coloca a autoria de Marcos depois da morte de Pedro e Paulo ficou corroborado pelo Prólogo Anti-Marcionita, o qual declara de maneira explícita: "Depois da morte do próprio Pedro, ele escreve este mesmo evangelho. . . Tal evidência exige que se lhe dê uma data depois de 67 A. D., o ano provável do martírio de Paulo. Por outro lado, o fato de que a predição a destruição de Jerusalém (Mc. 13) não foi apresentada como cumprida pode indicar uma data anterior a 70 A. D. A data mais plausível, portanto, seria 67-70. Embora Crisóstomo coloque a origem do Evangelho no Egito, temos muitos motivos para colocarmos o lugar do seu nascimento na cidade de Roma. Que esse é o caso ficou explicitamente declarado pelo Prólogo Anti-Marcionita e por Clemente de Alexandria, como também foi sugerido por Irineu.
LEITORES
É quase unânime a opinião de que o segundo Evangelho foi dirigido à mente romana. O hábito de Marcos de explicar os termos judeus e seus costumes
aponta leitores gentios (5:41; 7:24, 11, 34). As declarações de Clemente de Alexandria no sentido de que os que em Roma ouviram a pregação de Pedro insistiram com Marcos para que lhes providenciasse uma narrativa escrita é base suficiente para crermos que o Evangelho foi redigido para cristãos romanos. Que os leitores eram romanos pode ser confirmado pela presença de certos latinismos encontrados no livro. Que eles eram cristãos está plenamente confirmado pela introdução ao Evangelho, no qual se presume um conhecimento anterior da parte dos leitores. João Batista foi apresentado sem nenhum esforço de identificação; sua prisão foi citada como se os leitores já conhecessem o fato; os termos batizar (1:4) e Espírito Santo (1:8) são usados sem qualquer explicação.
CARACTERÍSTICAS
Diversas peculiaridades notáveis da narrativa de Marcos fazem dela uma exceção entre os Evangelhos. O estilo foi descrito como pitoresco, enérgico e dramático. Um realismo vivo caracteriza tanto o estilo de Marcos como a sua narrativa simples dos fatos. Os acontecimentos foram descritos sem alteração ou interpretação extensa, e sua apresentação foi marcada pela qualidade da exatidão encontrada nas narrativas das testemunhas oculares. Um vigor pronunciado e uma nota de urgência podem ser sentidos em quase todas as passagens da obra. A palavra característica deste Evangelho de ação é euthys, o qual ocorre cerca de quarenta e uma vezes e foi traduzido para logo, imediatamente, sem demora, dentro em pouco. Os tempos gregos são usados com eficiência para aumentar o efeito dramático e descritivo da história de uma vida que já é dramática em virtude de sua natureza intrínseca. Em numerosos lugares aparecem palavras de vigor fora do comum, tais como "impeliu" (1:12), comparado com "conduzido" que aparece nos outros Evangelhos Sinóticos (Mt. 4:1; Lc. 4:1). Em harmonia com essas peculiaridades entra a brevidade do livro propriamente dito e a narrativa concisa dos acontecimentos característicos (conf. Mc. 1:12, 13; Mt. 4:1-11).
CONTEÚDO
O Evangelho começa com um breve relato dos acontecimentos que deram início ao ministério público de nosso Senhor, isto é, seu batismo e tentação. Marcos omitiu assim, propositalmente é claro, qualquer referência ao nascimento e os primeiros trinta anos da vida de Cristo. Ele também não menciona o começo do ministério na Judéia, que foi registrado em Jo. 2:13 – 4:3. Sem qualquer explicação sobre os acontecimentos intermediários, o autor passa da tentação para o ministério na Galiléia. O primeiro período da obra ao norte da Palestina foi marcada por tremendo sucesso com multidões se ajuntando para ouvir o novo
mestre, resultando em que ele achou necessário restringir os ajuntamentos ao campo (Mc. 1:45). Vinha gente da Judéia e Iduméia para o sul da Peréia para o leste e de Tiro e Sidom para o norte (3:7, 8). Quase simultaneamente, nosso Evangelho registra o começo da hostilidade a Cristo da parte dos líderes judeus. Esta oposição intensificou-se até se transformar em uma das características principais do segundo período da obra na Galiléia. Como resultado da inimizade desses líderes e da supersticiosa suspeita de Herodes Antipas, Jesus deu início a uma série de sistemáticas retiradas da região da Galiléia, sempre permanecendo na área em geral e frequentemente retornando a Cafarnaum para uma rápida estada. Durante esses dias sua ocupação principal era de treinar os discípulos. A hora para a qual ele propositalmente se dirigia estava se aproximando rapidamente e foi nesse ponto que ele começou a preparar os seus, repetindo explicações, para a consumação de sua obra terrena com a morte e ressurreição. Após as retiradas para treinamento dos discípulos, Marcos traça a última viagem de Cristo a Jerusalém através da Peréia. Ao fazê-lo nosso autor tornou a omitir considerável porção de material. Passou por cima de todo o ministério posterior na Judéia e a maior parte do trabalho além do Jordão na Peréia. De acordo com a característica brevidade do Evangelista, ele entra imediatamente na narrativa da Semana da Paixão. A este curto período Marcos dedica quase seis dos seus dezesseis capítulos, uma proporção inteiramente justificada quando se percebe que essa é a consumação proposital para a qual a vida de nosso Senhor se dirigiu.
LUCAS
AUTOR
O Evangelho segundo Lucas é a narrativa mais completa da vida de Jesus que veio até nós proveniente da era apostólica. Teve a intenção de ser uma descrição completa do curso da vida do Salvador desde o seu nascimento até a sua ascensão, e faz parte de uma obra maior que inclui o livro dos Atos, o qual prossegue com a história das atividades missionárias da igreja até o estabelecimento da comunidade cristã em Roma.
De acordo com o testemunho uniforme da igreja, Lucas, um médico gentio e companheiro de Paulo, foi o autor do Terceiro Evangelho. Seu nome não foi mencionado nas suas páginas, mas as evidências disponíveis tendem a concordar e confirmar a tradição. A íntima relação entre o Evangelho e o livro de Atos mostra que as duas obras têm o mesmo autor, e sejam quais forem as pistas que identifiquem o autor de uma aplicam-se à interpretação da outra. Os dois livros foram endereçados ao mesmo homem, Teófilo (Lc. 1:3; Atos 1:1). O conteúdo de Lucas encaixa-se perfeitamente na descrição do "primeiro tratado" mencionado na introdução dos Atos (Atos 1:1). A continuidade do estilo e dos ensinamentos sobre a pessoa de Cristo, a ênfase predominante sobre a obra do
Espírito Santo, o interesse penetrante pelo ministério aos gentios, e a atenção constante que o escritor dedica aos acontecimentos históricos contemporâneos apontam para uma unidade planejada. Nessa mesma base, os fatos fornecidos pelo livro de Atos relativamente ao seu autor também se aplicam ao Evangelho. O autor era um gentio convertido, possivelmente da igreja de Antioquia, onde Paulo serviu com Barnabé no começo do seu ministério (Atos 11:25, 26). O escritor juntou-se-lhe mais tarde em Troas, conforme indica o uso que faz do pronome "nós" (Atos 16:10), acompanhou-o até Filipos, e presumivelmente permaneceu lá enquanto Paulo visitava Jerusalém Quando Paulo retornou a Filipos, Lucas voltou com ele a Jerusalém (Atos 20:5 – 21:15), onde Paulo foi preso e colocado sob custódia protetora. No final da prisão de Paulo em Cesaréia, Lucas o acompanhou a Roma (Atos 27:1 – 28:15). Paulo menciona Lucas três vezes em suas epístolas, chamando-o de "médico amado" (Cl. 4:14; Fm. 24), e indicando mais tarde que foi o último amigo que permaneceu com ele na sua segunda prisão (II Tm. 4:11). A declaração de Paulo que Lucas era médico está corroborada pela linguagem que Lucas usa e pelo interesse que demonstra pelas enfermidades e a cura. Um notável exemplo dessa inclinação aparece na diferença entre a sua narrativa e a de Marcos referente à mulher que tinha uma hemorragia (Lc. 8:43; Mc. 5:26). Ele diagnostica o caso da mulher como incurável, enquanto Marcos enfatiza a incapacidade dos médicos. O ministério de Lucas foi amplo. Médico, pastor, evangelista itinerante, historiador e escritor, foi tremendamente versátil e ativo. Tinha muitas amizades entre os líderes cristãos do primeiro século, e parece que também tinha importante e especial relacionamento com as autoridades romanas. A tradição tem preservado algumas interessantes lendas a respeito dele, embora talvez não sejam autênticas. De acordo com essas histórias, Lucas era um artista que pintou um quadro da Virgem Maria. Nunca se casou e nos últimos anos de sua vida retirou-se para Bitínia, onde faleceu. Outras lendas contam que ele foi martirizado na Grécia.
FONTES
O conteúdo de Lucas tem o aspecto geral de Mateus e de Marcos porque os três Evangelhos Sinóticos tratam dos acontecimentos gerais da vida de Jesus. Provavelmente uma grande porção da narrativa de Lucas, que coincide com o conteúdo de Mateus e Marcos teve origem nas pregações expositivas dos missionários apostólicos. Uma teoria largamente aceita acrescenta que Lucas usou o Evangelho de Marcos e uma especial fonte oral tal como fez Mateus. De acordo com o seu próprio testemunho ele conhecia as outras narrativas (Lc. 1:1, 2), mas não sabemos o quanto se utilizou delas. Uma grande parte do material de Lucas, entretanto é único no gênero. Sua história relacionada com os acontecimentos em torno do nascimento de Cristo difere de Mateus no ponto de vista e em alguns detalhes. Ele seleciona mais parábolas de Jesus do que Mateus e Marcos, e destaca mais a personalidade dos caracteres de sua
narrativa. Na história da Ressurreição ele introduz a caminhada a Emaús, que nenhum dos outros Evangelhos dão de maneira completa. Esses aspectos singulares ele os deve ter obtido de testemunhas oculares, pois ele não esteve pessoalmente presente nos acontecimentos que descreve. Na sua introdução ele declara que foi assim (Lc. 1:2) e mais adiante no Evangelho menciona pessoas das quais poderia ter obtido informações. Maria, a mãe de Jesus, pode ter fornecido o conteúdo dos dois primeiros capítulos; Maria Madalena, Joana, a esposa de Cuza (mordomo de Herodes), e outras mulheres (8:3) poderiam terlhe fornecido muitas reminiscências pessoais. Se Lucas viajou pela Palestina durante a prisão de Paulo em Cesaréia, poderia ter entrevistado inúmeras pessoas que se lembrariam de terem ouvido Jesus pregando e ensinando. Das pregações de Paulo e dos outros apóstolos que ele ouviu, poderia ter extraído grande parte das aplicações doutrinárias que aparecem tanto no Evangelho como no livro de Atos.
DATA
Por causa da conclusão abrupta do livro de Atos, parece que Lucas concluiu o mesmo no final dos dois anos da prisão de Paulo em Roma. Se o Evangelho foi escrito anteriormente, conforme indica a introdução do livro de Atos (Atos 1:1), deve ter sido composto, o mais tardar, antes de 62 A.D. quando terminou a prisão em Roma. Talvez Lucas colheu o material para o mesmo durante seus anos de serviço com Paulo, e então, antes de sair da Palestina na companhia deste, a caminho de Roma, enviou-o de Cesaréia para o seu amigo Teófilo. Se foi assim, o Evangelho foi escrito aproximadamente em 58 A.D. A alusão feita ao cerco e tomada de Jerusalém (Lc. 21:20-24) tem sido interpretada por alguns que o Evangelho foi escrito depois da queda da cidade em 70 A.D. Tal conclusão não é necessária se considerarmos que o conteúdo do capítulo é uma profecia, e que Lucas está apenas registrando as palavras de Jesus sobre o futuro. A afinidade entre a linguagem da narrativa de Lucas sobre a Última Ceia (22: 14-23) e o resumo de Paulo (I Co. 11:23-26) pode indicar que Lucas estivesse repetindo as palavras que o próprio Paulo usou em diversas ocasiões. Se for assim, a composição e publicação do Evangelho podem ser colocadas mais perto dos dias de Paulo do que em período de trinta ou mais anos após.
LUGAR
Nenhuma indicação do lugar da publicação nos foi dada. Uma tradição relaciona o Evangelho com a Grécia, possivelmente Atenas. Outra sugere que o lugar seja a Antioquia da Síria, onde Lucas teria amigos. Cesaréia parece ser o lugar mais adequado para a sua composição, mas o Evangelho pode ter sido completado e enviado de Roma a Teófilo, se não da própria Cesaréia.
DESTINATÁRIO
Teófilo, a quem o Evangelho foi endereçado, era provavelmente um gentio de alta posição social. Lucas o saúda com o titulo, "ó excelente", o qual ele reserva em outros lugares de seus escritos para autoridades romanas (Atos 24:3; 26:25.) Nada se sabe dele diretamente além das duas menções feitas em Lucas 1:3 e Atos 1:1. Era um cristão convertido, interessado em saber mais sobre a nova fé do que poderia obter da simples instrução de rotina. Os dois tratados de Lucas tinham a intenção de transformá-lo em um crente inteligente.
DESENVOLVIMENTO DAS IDÉIAS
O Evangelho de Lucas apresenta o curso da vida de Jesus como se alguém apresentasse seus pontos altos a um auditório por meio de um filme. Começa com sua genealogia e nascimento, continua através do seu ministério terreno até a Paixão, e atinge o clímax na Ressurreição. Atos continua sua operação na igreja através do Espírito Santo até a chegada de Paulo em Roma. O Evangelho, então, foi dedicado à primeira metade dessa apresentação progressiva da pessoa de Cristo. A estrutura de Lucas segue de modo geral a ordem de Mateus e Marcos, uma vez que foi determinada pela vida de Cristo propriamente dita. A apresentação dos fatos é mais completa em diversos aspectos, mas é menos apegada aos tópicos do que Mateus e mais fluente que a de Marcos.
RESUMO DA MENSAGEM
A mensagem do Evangelho de Lucas pode ser resumida nas palavras de Jesus a Zaqueu, conforme Lucas as registra: "Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido" (19:10). O caráter e propósito de Jesus como Salvador é o tema principal deste livro. As atividades e os ensinamentos de Jesus em Lucas são focalizados no ato de tirar os homens dos seus pecados e de trazê-los de volta à vida e à esperança. Os milagres, as parábolas, os ensinamentos e as atitudes de Jesus exemplificam seu poder e vontade redentores. O conceito de Jesus como Filho do homem enfatiza a sua humanidade e a sua compaixão sentida por todos os homens. Ele tinha de ser a "Luz para alumiar as nações, e para glória de. . . Israel" (2:32). Lucas escreve como cristão gentio, com profunda apreciação pela revelação de Deus através do povo hebreu, revelando contudo uma grande simpatia por aqueles que não foram incluídos no primeiro convênio da Lei. Seu Evangelho é verdadeiramente universal no campo de ação.
JOÃO
CARATER DO LIVRO
Simples na linguagem e estrutura, este livro é, não obstante, uma exposição profunda da pessoa de Cristo colocada em cenário histórico. Tem uma mensagem para o discípulo humilde do Senhor e também para o mais adiantado teólogo. Certas semelhanças existentes entre ele e os Evangelhos Sinóticos são facilmente percebidas. Apresenta a mesma pessoa como figura central. Encontramo-lo como o Filho de Deus, o Filho do homem, o Messias, o Senhor do Salvador, e outros títulos. Há alguns anos atrás era moda, em alguns círculos, dizer-se que o Jesus de João era o resultado de um processo teológico dentro da igreja primitiva, por meio do qual o homem de Nazaré fora elevado à posição de divindade. Esse ponto de vista já não é mais sustentável, pois estudos posteriores estabeleceram a convicção de que a Cristologia dos Sinóticos e a Cristologia de João são fundamentalmente a mesma. Um Jesus meramente humano é completamente estranho tanto aos Sinóticos quanto a João. Conforme o padrão histórico se desdobra no Quarto Evangelho, mostra-se parecido, no esboço geral do curso dos acontecimentos, com o quadro dos Sinóticos o ministério preparatório de João Batista, a vocação de certos discípulos para aprender e servir, o ministério duplo da palavra e dos feitos (milagres), a mesma tensão entre o entusiasmo popular pelo Senhor e a oposição do judaísmo oficial, a importância crítica da pessoa e autoridade de Jesus. Do mesmo modo, no que se refere aos acontecimentos finais da vida de Cristo na terra, encontramos o mesmo quadro da traição, prisão e julgamento, morte pela crucificação, e a ressurreição. Sem dúvida, também encontramos uma considerável diferença dos Sinóticos. Enquanto os Sinóticos mencionam apenas uma Páscoa, parecendo portanto limitar o ministério de Cristo a um ano somente, João menciona pelo menos três Páscoas (2:23; 6:4; 13:1), sugerindo que o ministério estendeu-se por três anos. Nos Sinóticos o ministério limitase quase que exclusivamente à Galiléia, enquanto João enfatiza a atividade de Jesus na Judéia e pouco diz sobre a campanha na Galiléia. Nos Sinóticos os ensinamentos públicos de nosso Senhor tratam do "reino de Deus". Essa expressão está quase ausente no Quarto Evangelho, onde os discursos centralizam-se grandemente no próprio Jesus, seu relacionamento com o Pai, e a sua indispensabilidade às necessidades espirituais do homem (cons. os Eu sou). Alguns detalhes históricos criam problemas. Um exemplo é a purificação do Templo, colocada por João logo no começo do ministério (capítulo 2), mas no final do ministério pelos escritores dos Sinóticos. A explicação mais simples aqui é provavelmente a melhor – houve duas purificações. Outro exemplo relaciona-se com a vocação dos discípulos, a qual de acordo com os Sinóticos aconteceu na Galiléia. João narra a chamada de diversos homens em cenário da Judéia, bem no encetamento do ministério (capítulo 1). O problema diminui quando se
imagina que a própria prontidão dos pescadores galileus em abandonar suas redes para seguirem a Jesus é mais fácil de se explicar com base em conhecimento anterior e um discipulado experimental, tal como o Quarto Evangelho revela. É um tanto perturbador encontrar Jesus já considerado o Messias, neste Evangelho, logo no começo de sua obra (João 1), quando a aceitação do Messiado parece vir bem mais tarde nos outros Evangelhos. Os dois quadros não são, entretanto, incompatíveis, pois o pronunciamento de Pedro em Cesaréia de Filipe (Mt. 16:16) não precisa ser aceito como uma convicção à qual ele houvesse chegado pela primeira vez (cons. Mt. 14:33). Uma verdade já conhecida antes foi então aprofundada através de uma experiência pessoal com o Filho de Deus.
AUTOR
Embora o livro não cite o nome do autor, foi chamado de "discípulo a quem Jesus amava" (21:20, 23, 24) e íntimo companheiro de Pedro. O testemunho da igreja primitiva inclina-se a confirmar que é João, filho de Zebedeu (cons. 21:2). Irineu é a testemunha principal. Alguns mestres têm discutido a possibilidade de uma pessoa sem preparo e experiência (Atos 4:13) escrever tal obra. O tempo, a motivação e a capacitação do Espírito não devem ser subestimados na avaliação da capacidade de João e na anulação das desvantagens. Muitos mestres modernos preferem defender a idéia de que um discípulo desconhecido foi o verdadeiro autor deste Evangelho, ainda que grande parte do material possa muito bem ter encontrado em João a sua fonte. Mas isto é uma troca inútil do conhecido pelo desconhecido.
DATA E O LUGAR DA COMPOSIÇÃO
De acordo com a tradição cristã, João gastou os últimos anos de sua vida em Éfeso, onde desempenhou um ministério de pregação e ensino, como também escrevendo. Desse lugar partiu para o exílio em Patmos, durante o governo do Imperador Domiciano. Seu Evangelho parece pressupor um conhecimento da tradição sinótica e por isso deve ser colocado no fim da série, possivelmente entre os anos 80 e 90 mais ou menos. Alguns o colocam ainda mais tarde. O descobrimento de fragmentos do Evangelho no Egito, datados da primeira metade do segundo século, exige que se coloque o Evangelho dentro dos limites do primeiro século.
PROPÓSITO
João 20:30, 31 declara construtivamente que foi escrito com a esperança de se criar nos leitores a convicção de que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, para que a vida viesse através da fé nEle. A escolha do material foi calculada exatamente para ajudar a chegar a esta conclusão. Objetivos subordinados podem ser aceitos, tais como a refutação do Docetismo, um ponto de vista que negava a verdadeira humanidade de Jesus (cons. 1:14), e a denúncia do judaísmo como sistema inadequado de religião que coroava seus outros pecados com a recusa em aceitar o Messias prometido (1:11, e outros).